Museu: do gosto ao trabalho

No Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra, Portugal.
Foto: Jenniffer Simpson, 2014.

Quando cedi uma entrevista ao Programa Literatura em Foco no ano de 2013, canal Amazon Sat, houve uma pergunta sobre minhas primeiras experiências nos museus, daí eu tive que resgatar essa memória pela primeira vez publicamente. Aqui vou relatar mais detalhadamente, pois no programa ficou mais resumido à primeira visita no museu e pulado direto para a pesquisa.

 Entrevista sobre o livro "Museus do Amazonas (2012)",  Programa Literatura em Foco.
Foto: Registro da TV, Douglas Machado, 2013.

Minha primeira vez no museu foi em 1996, quando eu estava na 5ª série do Ensino Fundamental no Colégio Brasileiro Pedro Silvestre (escola pública), Centro de Manaus. O professor de História, Raimundo, no primeiro dia de aula disse “muitas pessoas morreram pelo direito de vocês estarem aqui”, e eu nunca esqueci o impacto dessa frase na minha formação. Pouco tempo depois, esse professor passou um trabalho escolar sobre algo relacionado à História Indígena no Amazonas, e tive que pedir ajuda aos meus pais a me levarem em alguma biblioteca. Como meu pai trabalhava no Centro, ele me levou ao Museu Amazônico, provavelmente por recomendação de terceiros. Quando cheguei lá, eu fui encaminhada à biblioteca do museu, na época ficava no segundo piso do prédio histórico, e acabei passando pela exposição antes de subir. Na época, a bibliotecária me atendeu e consegui fazer o trabalho escolar. Nunca esqueci dessa primeira experiência.

Museu Amazônico, na Rua Ramos Ferreira, Centro de Manaus.
Foto: divulgação oficial do museu, sem ano.

Ainda no período escolar, eu fui visitar os palácios onde havia exposições (na prática esses lugares desempenham as funções de memoriais, mas oficialmente foram denominados de centros culturais), os quais são: Palácio Rio Negro (poder executivo) e Palácio da Justiça (poder judiciário), e anos depois, após terminar a escola, fui conhecer o Palácio Rio Branco (poder legislativo). A memória que possuo da infância e da adolescência sobre práticas culturais, em Manaus, resume-se em:  folclore, carnaval, teatro, cinema e biblioteca. O museu foi por acaso.

Do Palácio da Justiça: a visão do Teatro Amazonas.
Foto: Rila Arruda, 2019.

No ano de 2000 fiz uma viagem de família ao Rio de Janeiro, e nessa oportunidade pudemos visitar o Museu do Telefone. O museólogo de lá é amazonense, Alberto Saraiva, e amigo da minha família, todos se conhecem das vivências do bairro Morro da Liberdade (zona sul), em Manaus. Além da visita ao museu, Alberto nos levou para conhecer parte do patrimônio histórico edificado do Centro do Rio. Também nunca esqueci essa experiência.

 No Museu das Telecomunicações, Centro Cultural Oi Futuro - RJ.
Fonte: acervo pessoal de viagens, Rila Arruda, 2009.

Muitos anos depois, eu acabei descobrindo que a bibliotecária do Museu Amazônico (da época escolar) era a Rosângela Martins que até hoje trabalha lá (servidora pública de carreira), pois ficamos amigas em 2009/2010, no momento que eu precisei retomar a pesquisar nessa biblioteca (época do mestrado). Eventualmente, eu continuo indo visitá-la toda vez que eu preciso de referências sobre algo dentro do meu universo de pesquisa. Aliás, todos os pesquisadores, de qualquer área das ciências humanas, com temas relacionados à Amazônia, costumam ir nessa biblioteca por que ela é especializada.

Lançamento do livro "Museus do Amazonas" no Museu Amazônico.
Foto: Tainah Paulain, 2012.

Já o museólogo Alberto Saraiva, eu pude reencontrá-lo em 2009, 2017 e 2019. Em 2009, retornei ao Museu do Telefone, já com a mudança de nome para Museu das Telecomunicações, no Centro Cultural Oi Futuro. Em 2017 encontrei novamente com o Alberto por acaso na Arte Rio, e em 2019 no encontro em homenagem ao Óscar Ramos, em Manaus. Nesse último encontro pudemos visitar, a convite do Zezinho Cardoso, o local que viria a ser depois o Centro Cultural Óscar Ramos (considero também um memorial). 

No Museu do Homem do Norte, Centro Cultural dos Povos da Amazônia.
Fonte: acervo pessoal de visitante, 2014.

Bem, eu preciso dizer que o meu gosto pelos museus foi algo que aconteceu gradativamente, uma construção social, seja pela pouca influência familiar, seja pela instrução escolar adquirida com o tempo, seja pelas visitas por acaso, seja pelas viagens, seja por influência de amigos, seja por ter trabalhado no Museu do Homem do Norte (2008) juntamente com a museóloga Regina Vasconcellos, e  ter trabalhado também no planejamento do Museu da Cidade de Manaus (2013 a 2015), ou simplesmente por diversas visitas planejadas na vida adulta. 

Na sala de exposição arqueologia in situ do Paço da Liberdade, hoje o Museu da Cidade de Manaus.
Fonte: acervo pessoal de visitante, Rila Arruda, 2017.

Em especial, eu tenho que destacar as visitas planejadas ao primeiro do Brasil, o Museu Nacional, e ao maior museu da América Latina, o Museu Nacional de Antropologia do México. Eles se tornaram fundamentais na minha reflexão, em distintos momentos, sobre as diferenças de narrativas construídas pelos museus. Sem esquecer também, o quanto os pequenos museus, como um ponto de memória que conheci em Brasília, mexeram muito comigo também nessa reflexão geral. 

Museu Nacional: primeira visita em 2008.
Fonte: Acervo pessoal de viagens, Rila Arruda.



No Museu Nacional: segunda visita em 2011.
Fonte: acervo pessoal de viagens, Rila Arruda.

Tudo o que descrevi aqui contribuiu para: minha formação enquanto pessoa; minha formação enquanto profissional; o museu como local de trabalho para Cientistas Sociais, já que uma das suas funções dele é a pesquisa; na definição do meu objeto de pesquisa em 2008 (políticas museais) - dentro do universo que eu pesquisava de políticas culturais, desde 2006; para o meu capital cultural, que está em constante processo de acumulação na vida adulta; e principalmente no hábito de frequentá-lo.

No Museu Nacional de Antropologia do México, 2014.
Fonte: acervo pessoal de viagens, Rila Arruda.

Para finalizar, é importante ressaltar três instituições presentes no meu relato: a família, a escola e o museu. O museu como uma instituição aberta ao público, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, que preserva, difunde e pesquisa os testemunhos materiais e imateriais do homem e seu entorno, com o propósito também de educação (não formal). A escola como instituição que se dedica ao processo de ensino e aprendizagem (formal) entre alunos e docentes. A família como uma instituição social que agrega pessoas que possuem grau de parentesco e vivem na mesma casa formando um lar. Essas esferas institucionais formam e contribuem diretamente ao gosto pelos museus, ao hábito de frequentá-los, da importância do patrimônio cultural e patrimônio natural, e o seu papel como instrumento poderoso de reflexão do passado no presente para o futuro.

PS: Autoanálise com base na teoria bourdieusiana.


Rila Arruda da Costa 

Cientista Social e Mestra em Sociologia

Sociologia da Cultura & Antropologia Cultural

Pesquisadora, Professora e Consultora

Blog: museusdoam.blogspot.com

E-mailrila.arruda@gmail.com

Linkedin: Rila Arruda

 Instagram: @rila.ac


Publicado dia 28 de maio de 2020 às 17h.

Atualizado dia 31 de maio de 2020 às 11:35h.


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